segunda-feira, agosto 31, 2009

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O verniz da palavra
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Encontrei uma foto tua. Estava desbotada como aquela blusa antiga que não visto mais e que acabei dando. Por trás das cores pálidas, ainda consegui reparar nuns contornos do teu rosto, esboçados timidamente na imagem opaca. Aquela curva do lado direito da boca, quando reprimia o sorriso... Todo o teu rosto tinha ares de seriedade, mas eu a amava. Engraçado me deparar contigo assim... sem desejo por dentro. E ver esta fotografia me trouxe uma mista sensação, porque sobre a imagem familiar contemplo uma outra que aparece, em relevo, sobre aquela primeira. Duas coexistindo, mas para contrastar. De modo que a segunda se colou por cima da outra, tapando a antiga visão que fazia de ti. E foi nisso em que se tornou todo aquele sonho que me perseguia por onde fosse.
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Tu te transformaste numa espécie de peça arqueológica sem qualquer cor, mas que sou obrigada a manter no museu da memória, porque existiu por tempo demais para conseguir deitá-la fora de mim. Estás lá atrás, lá embaixo e, por algum motivo, hoje veio à tona como vêm os lixos guardados no fundo do mar, e que a maré alta faz emergirem, por vezes expulsando-os de si. Ou os levando depois para um lugar mais fundo e invisível ainda.
Estás turvo, sem cor, e estas palavras que escrevo parece que te deram um instante de existência, uma pequenina pincelada de verniz naquele canto da boca, mas que logo eu descorei, apagando como quem sopra, sem maiores esforços, um pequeno lume.

sexta-feira, agosto 28, 2009


Agonia
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Dúvidas, titubeios, agonia.
Fenda que se abre e me fecha dentro.
Poço com fundo, tampa entreaberta.
Incertezas, agonia, eu vacilante.
Paralavras-chave: crise e desassossego!
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"... se antes de cada acto nosso, nos puséssemos a prever todas as consequências dele,a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis,não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar".
Saramago, em "Ensaio sobre a cegueira".

quarta-feira, agosto 26, 2009

A Banca e meu prof. da época de graduação
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A travessia
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Enfim... a pior parte passou. Foi uma das montanhas gigantes que tive de escalar em minha vida. Um verdadeiro Himalaia. Diferente de algumas montanhas de topo inalcansáveis, nesta consegui subir, rodear, conhecer muitos dos seus ângulos, me ver lá em cima, olhando pra baixo, contemplando a nova paisagem que construi com cada palavra, com a travessia por cada teoria difícil que consegui compreender. Cada livro= um tijolo! Um passo. No final, não foi apenas o texto que amadureceu, mas quem o escreveu sobretudo, em quem o orientou (talvez) tenha acrescentado um pouco mais de conhecimento. Este foi, enfim, um momento especial da minha vida acadêmica, em que falei sobre blogs, diários, autobiografias. Sobre Saramago e, de forma oblíqua, sobre mim também...
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Esta conquista de mestre não é apenas por meus méritos.
Ninguém cresce sozinho. E se fosse como nas entregas de prêmios, quando alguém tem de escolher para quem vai a primeira fatia do bolo de aniversário, ou se fosse como numa entrega de medalhas, um trofeu (sei lá!), eu ofereceria aos gigantes sobre quem me apoiei. Uns que já se foram da minha vida, mas que lembro e gosto, e sinto a falta... Enfim.
Foi um momento especial. E se pudesse dividi-lo em fatias, eu daria para umas tantas pessoas queridas. E estas da foto são algumas destas. :)

sábado, agosto 22, 2009


Sonho de Ícaro
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Voar, voar
Subir, subir
Ir por onde for
Descer até o céu cair
Ou mudar de cor
Anjos de gás
Asas de ilusão
E um sonho audaz
Feito um balão...
No ar, no ar
Eu sou assim
Brilho do farol
Além do mais
Amargo fim
Simplesmente sol...
Rock do bom
Ou quem sabe jazz
Som sobre som
Bem mais, bem mais...
O que sai de mim
Vem do prazer
De querer sentir
O que eu não posso ter
O que faz de mim
Ser o que sou
É gostar de ir
Por onde, ninguém for...
Do alto coração
Mais alto coração...
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Viver, viver
E não fingir
Esconder no olhar
Pedir não mais
Que permitir
Jogos de azar
Fauno lunar
Sombras no porão
E um show vulgar
Todo verão...
Fugir meu bem
Pra ser feliz
Só no pólo sul
Não vou mudar
Do meu país
Nem vestir azul...
Faça o sinal
Cante uma canção
Sentimental
Em qualquer tom...
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Repetir o amor
Já satisfaz
Dentro do bombom
Há um licor a mais
Ir até que um dia
Chegue enfim
Em que o sol derreta
A cera até o fim...
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Do alto, coração
Mais alto, coração...
Biafra*

sexta-feira, agosto 21, 2009


Veronika decides to die
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Quando decidi ir ao cinema ver este filme, baseado no livro de Paulo Coelho, imaginei logo que veria alguma filosofia barata, destas que a gente mata logo a xarada, e nem precisa pensar muito. Mas estava a fim de filosofias baratas mesmo.
Sem contar que adorei (confesso) "Brida" e "O Alquimista".
A Veronika é aquele mulher de origem classe "mérdia" alta, bem infeliz porque é rica, linda, tem uma família amável e, além disso tudo, é bem sucedida profissionalmente.
Falando sério agora... Não é a vida perfeita dela que coloca a moça diante da própria morte. Ela não vê sentido pra vida, já que não pôde ser aquilo que realmente desejava. Queria seguir a pianista que pulsava dentro de si, mas os pais a orientaram para outros caminhos profissionais mais rentáveis.
O desiquilíbrio interno com o ambiente externo a conduz para o precipício da morte. Acha a vida permeada de ideias de felicidade impostas e todas as pessoas cópias umas das outras, além de hipócritas.
Bem, o fato é que se levarmos em consideração tantos filmes vazios que há por aí, este meu texto, na verdade, representa uma bandeira branca levantada em prol da obra de PC. Não é ruim assim como falam, pôxa vida!
O filme se passa, o tempo todo, com cenas internas do apartamento em seguida do manicômio onde é internada. A esta cenas se contrapõem algumas paisagens de verde externa. Até que, no final, imagens de liberdade e de paixão pela vida rasgam a tela: pôr-do-sol, mar, ruas, ônibus, gente andando de um lado pro outro, casal apaixonado.
À paisagem inicial de suicídio de Verônika se contrapõem as novas de Vida que o amor lhe desperta! Um amor que parece lhe explodir nas veias em cenas de vontade de viver.
Vi remexidos sentimentos que me atrevessam todos os dias... Estavam ali personficados noutra história, de ficção, mas verossímel. A sede de viver cada minuto como se fosse o derradeiro, a sensação de estar enlouquecendo diante das disparidades... eis aí a lista de algumas ideias que frequentam as terras insólitas do meu coração.
Mi*

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Para tudo existe a primeira vez

Pela primeira, fui ao cinema sozinha hoje à tarde. O dia frio parecia o mediador entre mim e a telona, a pipoca... A princípio, saí de casa me sentindo autossuficiente e independente. Afinal "Mulheres modernas fazem programas sozinhas, oras!".
Procurei me sentir bonita e aquecida, comprei a entrada e entrei na fila.
Depois, fui às Lojas Americanas, comprei aquele pacote de Passatempo com cobertura de chocolate, além de uns chocolatinhos que como, desde a infância (Prestígio e Chokito).
Entrei, sentei, tudo corria bem e correu, claro.
O filme começou e paralelo a ele, começaram também o desfile de algumas imagens em minha memória.
Lembrei de quando vi o "Titanic" há mais de dez anos {1998} com Aécio, Gabriela, Ivana, Bê, Jack, Marize, Rosana e meu irmão Diego. Depois, lembrei (naturalmente) das noites de sábado em que ia ao cinema com o pessoal, com a minha família do coração que acabei perdendo.
Relembrei do pai trazendo nas mãos vários copos de Coca-cola, se equilibrando com os Kuat's. Revivi os comentários após (e mesmo durante) o filme. Gostei de acessar estas lembranças.
Às vezes, é mesmo preciso um pouco de solidão para resgatarmos lembranças guardadas na memória. Sorri com as alegrias da vida antiga, chorei de saudades. Mas me senti feliz. Foi mais um momento só meu e das minhas recordações.
Mi*

quarta-feira, agosto 12, 2009


Direito à palavra
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Quando vi hoje no noticiário o "Certificado assinado por Jesus Cristo", juro, quase caí para trás. A primeira sensação foi a de voltar às leituras feitas sobre a Idade Média. Eis que me vi num cenário medieval, com padres prometendo fatias do Paraíso, lotes de terrenos celestes ao lado do Criador. Fogueiras acesas, Autos de Fé, mulheres queimadas pelos seus conhecimentos medicinais. Isso tudo num breve espaço da matéria na TV.
Sugada pela realidade do século XXI, confesso o espasmo inicial seguido por um pensamento cômodo de aceitação. É triste, mas a maioria esmagadora da nossa sociedade é mesmo acomodada. A ideia de Pacifismo talvez seja uma forma de escapismo, porque "brigar" dá trabalho. Trabalho cansa. Falar, fazer são verbos que exigem demasiada ação.
Já, já, vou dormir, me enfiar debaixo de um endredom bem burguês e, no meu ostracismo, dormir o sono daqueles que nada (ou pouco) fazem para mudar o mundo. A começar pelo meu próprio... Ao menos tenho o direito à palavra e à me consolar achando que, escrevendo, estou fazendo alguma coisa.
Michelle-Blimunda.




Mãos de mistério
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Em cada texto que escrevo, reconheço vozes distintas que, por vezes, me desviam daquilo que, inicialmente, pretendi dizer. São vozes que vêm sei lá de onde e me fazem caminhar num nevoeiro. Não reconheço suas origens. Fazem dos meus passos incertos e labirínticos, de onde não consigo sair até que a escrita abandone minhas mãos e tenha cumprido seu caminho, errantemente certo. Depois de materializado este corpo para além do meu que acena para mim nas palavras, reconheço a presença da escrita em seu eterno fingimento de tentar retratar o real, sem que o possa representar propriamente.
Reconheço sua natureza imaterial, mas ao mesmo tempo visível que vem de zonas obscuras, desconhecidas, misteriosas, do mesmo lugar de onde vim e para onde certamente voltarei um dia. Psicografia? Não... Inspiração? Por vezes, poucas vezes. É a experiência da escrita promovendo mistérios que gravitam em torno das mãos.
Mi*

***

Suas crenças se tornam seus pensamentos
Seus pensamentos se tornam suas palavras
Suas palavras se tornam suas ações
Suas ações se tornam seus hábitos
Seus hábitos se tornam seus valores
Seus valores se tornam o seu destino.
('A Biologia da Crença', de Bruce H. Lipton).

terça-feira, agosto 11, 2009


Porque gosto de Saramago
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Certa vez, Roland Barthes escreveu o texto "Porque gosto de Benveniste". Eu, hoje, quis declamar o meu "Porque gosto de Saramago" e me vi viajando pelas lembranças de todos os livros seus que li, de modo que me perdi deliciando-me com a lembrança de um e outro personagens.
Todos os dias, entro no seu blog e lá está um novo texto, ou um antigo que sinto vontade de reler. É um desassossego que encontra sossego no breve tempo que leva a leitura. Lendo-o, vejo os pensamentos que lhe atravessaram as emoções naquele dia e aprendo, demasiado, com sua escrita, porque me identifico, porque ele narra espontaneamente como uma simples vontade de beber água, porque ele diz o que eu não sei dizer.
Concordo quando diz que “Tudo é autobiografia”. Mesmo a ficção que cria, porque é sua ficção, não de outro, mas sua. E em toda obra do autor se concentram as reflexões, as crenças e descrenças, constituem um longo e profundo depósito de ideias, de sabedoria. Suas. Partilhadas com quem as lê. Com quem compreende o que lê. Este é meu breve “Porque gosto de Saramago”. Raso, porém sincero.
Mi*

Tenho medo de escrever.
É tão perigoso.
Quem tentou, sabe.
Perigo de mexer no que está oculto - e o mundo
não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar.
Para escrever tenho que me colocar no vazio.
Nesse vazio terrivelmente perigoso:
dele arranco sangue.
Sou um escritor que tem medo da cilada das palavras:
as palavras que digo escondem outras - quais? talvez as diga.
Escrever é uma pedra lançada no poço fundo.
Clarice Lispector.

segunda-feira, agosto 10, 2009

A cor do vento
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No alto da montanha, ouço o som das curvas do vento. Chego à janela para tentar vê-lo, mas a ventania é invisível, impalpável. Corre de um canto a outro como uma criança levada, e somente reconheço aqueles movimentos no seu encontro com os galhos esvoaçantes das árvores, nos cabelos cumpridos e nos vestidos de pano leve que voam alto; nas roupas no varal que a dona de casa se apressa em apanhar. É assim que vejo o vento: através de outros corpos, como mensageiro alado anunciando a chegada da chuva; como um senhor apressado que bate à porta, querendo invadir nossa casa, sacudindo as janelas e os vidros a ponto de parti-los em milhões de pedaços.
É esta a cor do vento: a invisibilidade, é o incolor que se soma aos outros tons do arco-íris, que ninguém vê, mas está ali.
Hoje reconheci em mim o próprio o vento.
E o bom de ser invisível foi poder voar como ele, com ele...
Dançar em sua companhia, como aquela folha leve e seca esquecida no chão.
Mi*


No dia do aniversário
A gente às vezes tem vontade
De se esconder dentro do armário
Mas aí vem um com um beijo
Outro realizando um desejo
E aquele que está sempre atrasado
Chega super animado
Estourando um champanhe
Mesmo que eu estranhe
E não entenda muito bem
Por que tantos parabéns
Fico feliz com os presentes
Agüento melhor os parentes
E não me pergunto na hora
O que há de mentirinha
Nessa anual história
Quem me dera tanto afeto
Duas vezes por semana
Pra derreter a couraça
Pra amenizar minha gana
Congelaria se possível
Muitos pedaços do bolo
Pra durante o ano carente
Come-los como consolo.
Dias Batista.




O segredo é não olhar para trás
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Quando era criança, adorava filmes de terror. Os anos oitenta foram mesmo o boom para estes filmes que não somam nada de bom para nossa psiquê. A sequência "A hora do pesadelo", então!... parecia o mais interessante, já que ocorria efetivamente em sonhos, o que é algo que vivemos todos os dias. Verossimilhanças e ficção à parte, o primeiro filme tem um final intrigante. No momento em que a mocinha Nancy finalmente reune forças para dar as costas para Fredy Kruger ele, simplesmente, enfraquece e some. Em vários momentos da minha adolescência, pensei naquela cena em que ela dá de ombros ao seu maior medo e, de repente, tudo fica bem, como num passe de mágicas.
Desejar que nossos mais profundos medos se desfaçam em um segundo é fantasia demais. Contudo ainda acredito na simbologia daquela cena. Para mim, o segredo é mesmo não olhar para trás. Nem para medos nem para as mágoas que nos causaram ou que causamos. De outra forma, estaríamos fadados aos pesadelos, condenados a conviver com nossos próprios Fredy Kruger's interiores, desdenhando de nós, nos perseguindo pro resto de nossas vidas, e além destas se chances houver.
Mi*

quinta-feira, agosto 06, 2009


Elogio ao silêncio

Às vezes o silêncio se transforma
em esfera transparente.
Imobiliza-se
Fica sendo
É uma espécie de gerúndio
É como cápsula que se contém:
Fica sendo o não ver
Fica sendo o não estar
É o caminho até nossa solidão.
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Sérgio Fingermann, um pintor-escritor de quem conheci a obra em Curitiba, no Outuno de 2009.

África com poucos casos de gripe suína
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Desde meados do mês de maio (acho) fomos acometidos pelas notícias de um novo vírus da gripe surgido no centro-oeste dos EUA, que rapidamente vem se espalhando pelo globo. Nada de gripe aviária que foi isolada pela primeira vez em humanos em 1997. Agora é a gripe suína. Entre os grupos de risco, as gestantes parecem ser o principal alvo. Agradeço à vida, ao menos, por duas amigas que tiveram seus bebês antes desta nova "praga de gafanhotos" chegar a nós. O curioso é que pouco se tem falado de gripe suína na África. Será que é devido às poucas condições econômicas para se comprar remédios? Muito estranha esta gripe que está se tornando epidêmica, logo após a crise dos EUA, iniciada em outubro (ou novembro) de 2008.
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Arma química? Busca por sobrevivênica mediante a venda de medicamentos? Vários pensamentos se passam em nossas cabeças. Tenho ouvido estas suposições, mas também.... até que ponto isso não é neura? A história do nosso planeta é repleta de epidemias, vide escorbuto, tuberculose e tantas outras. Houve uma época em que a rubeola foi quase uma epidemia. Daqui a uns anos, talvez, vamos olhar para este 2009 como um ano de tristes fatalidades em que ínumeras crianças nasceram sem suas mães ou morreram com elas. Será mais ou menos como no ano de de 1995, sobre o qual pesquisas apontam que muitos bebês nasceram autistas decorrentes de mães que contraíram a rubeola.
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É difícil saber o que pensar. Por todo o país, o calendário escolar foi alterado, a fim de que a proximidade com o calor da Primavera afaste o vírus surgido no outono/ inverno. Se bem que... nosso Outono é a Primavera no emisfério sul. E volto a ficar assim... sem saber o que pensar.
Mi*

quarta-feira, agosto 05, 2009


Valsa para uma menininha
(Toquinho e Vinícius de Moraes)
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Menininha do meu coração
Eu só quero você
A três palmos do chão
Menininha, não cresça mais não
Fique pequenininha na minha canção
Senhorinha levada
Batendo palminha
Fingindo assustada
Do bicho-papão
Menininha, que graça é você
Uma coisinha assim
Começando a viver
Fique assim, meu amor
Sem crescer
Porque o mundo é ruim, é ruim
E você vai sofrer de repente
Uma desilusão
Porque a vida é somente
Teu bicho-papão
Fique assim, fique assim
Sempre assim
E se lembre de mim
Pelas coisas que eu dei
E também não se esqueça de mim
Quando você souber enfim
De tudo o que eu falei...



Guardadora de memórias
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O que você faria se toda a sua memória fosse apagada?
Em 1999, o jovem americano Nicholas Sparks escreve o livro que trata, entre outros temas, do resgate de memórias através da escrita memorialística. "The notebook" foi adaptado para o filme de nome "Diário de uma paixão" e traz a história de
Allie Calhoun, uma senhora que perde a memória para as mãos do mal de Alzheimer. Ela tem, no entanto, ao pé de si a doce voz do marido Noah, narrando a história dos dois.
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Internada ela, internou-se ele por vontade própria. Desejava que a leitura do diário despertasse a mulher com quem se casou, que devia estar escondida em alguma parte da memória esquecida cujo acesso foi interrompido pela esclerose. Alguns milagrosos minutos de lucidez fazem-na emergir das profundezas de seus auto esquecimento e a despertam de um sono profundo.

A autobiografia aqui se cumpre propriamente!... Este é o seu papel: guardadora de memórias. Seu projeto não é malogrado por não conseguir representar a realidade com exatidão. Escrever/ criar, guardar/ lançar garrafa ao mar, reler/ reviver/ recriar o Passado.
A escrita pessoal auxilia no não apagamento da identidade do sujeito, reavivando suas lembranças como um retrato antigo restaurado.
Como Noah, muitas pessoas praticam a escrita íntima.
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Gosto de perguntar às amigas escritoras por que escrevem. Fico observando-as narrar este porquê e num minuto mergulham pra dentro de si, se arrastam pela lembraça de um texto que, algum dia, escreveram... Elas somem e me delicio vendo esta auto entrega às afáveis mãos de um ludismo verbal. Ficamos apenas eu e a voz de seus corações.
Pergunto a mim mesma. Por que escrevo? Cada dia, uma resposta nova. Escrevo porque preciso, porque acredito.
Um dia, quem sabe, precise refazer os caminhos de volta a um Eu perdido, guardado no Passado. Quem sabe estes versos tortos (meus fios de Ariadne) possam, de alguma forma, me conduzir para fora dos meus labirintos, me impedir de ser devorada pelo Minotauro do esquecimento. E estas palavras serão meu Noah, o trilho de volta pelos caminhos-horas-passadas que completam os caminhos-horas-presentes. O que eu faria se minhas memórias se apagassem? Simplesmente desapareceria...

Mi*

segunda-feira, agosto 03, 2009

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Tamanho único
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Saramago escreveu um livro, chamado "O homem duplicado" que trata, todo o tempo, sobre esta questão da autenticidade numa época em que nascemos originais, e nos tornamos cópias uns dos outros. Cegos que não reparam que o capitalismo nos torna meras duplicações (vide as idas aos shoppings, onde vemos uma multidão de loiras de cabelos chapados, parecendo um desdobramento infinito de Evas).
Por que temos que todos nos rendermos aos MP3, MP4, MP100000, aos aparelhos ultra modernos que se impõem nas vitrines como uma verdadeira Esfinge?: "Compra-me, ou devoro-te!".
Há livros que nos colocam em diálogos com as maiores inteligências que se personificaram na Terra. É bem verdade que gostaria de ter uma dinâmica de leitura mais acelerada, conversar mais com estas vozes que falaram (e falam) por aqui, mas não saberia administrar tanta informação. Confesso e reconheço minha limitação, mas escrevo para mostrar que, se não converso com eles agora, converso ao menos com meus próprios pensamentos. E descubro que todas as minhas potencialidades e limitações me modelaram como sou e me desenvolveram um tamanho único, que às vezes fica meio folgado, ora apertado, ora me dá até um certo desconforto, mas é meu tamanho, e vai para além da altura dos meus sonhos*, fazendo limites com os limites do Universo.
Pessoa*/ Michelle.

RAZÃO DE SER
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Escrevo.
E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?
Paulo Leminski.



Uma Diva
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Meados de 2006 foi uma das épocas em que me sentia mais perdida. Passada a graduação e a Pós, tudo parecia meio desfocado e sem destino. Nada à vista. Um caos interior. Meu amor partido em três pedaços: Passado, Presente, Futuro. Perdida no meio destes três caminhos (Qual seguir?). Ainda foram precisos mais alguns anos para que esta resposta viesse. Estou vivendo esta resposta. Não foi exatamente a que meu coração me deu, mas a vida quem me respondeu com o Presente. Fui escolhida pela Resposta, digamos assim...

Esta volta cronológica toda é apenas para me situar, também historicamente (pessoal), no ano em que conheci uma Diva francesa. Nas idas ao Liceu, na Senador Dantas (ainda na cidade) as aulas de francês me deram algumas palavras aprendidas, os pronomes certamente; deram-me meu amigo Rafael Adelino, que se foi pro Paraná; e me deram ainda Edith Piaf, sua voz em "La vie en rose".
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O Rafa foi, mas antes de ir, tivemos um ano ainda com vários encontros na Carioca, onde ficavámos sentados, conversando sobre planos, sonhos, livros, maluquices juvenis, poesias. Em nossas fofocas literárias, falávamos sobre Piaf, acerca do filme que programos ver juntos, no Odeon (Cinelândia). Acabos não indo. Ele foi e me deixou um CD cheio das melhores canções da Diva, cheio de fotos nossas pela centro do Rio, no CCBB (a paradinha para um descanso no charmoso Café do Centro Cultural).

Sempre que a ouço lembro de como o Rafa a adora. Lembro deste amigo querido que me faz rir muito com suas histórias amorosas ardentes. E ele ainda me manda ler "O amante de lady chatterley" para visualizar suas aventuras (Amo-te, meu "menino maluquinho"!).
Ouço a Diva também pensando em quão perturbada foi ela...
O GNT veiculou, agora há pouco, um documentário sobre sua vida pessoal. Nunca havia assistido a este programa. Vi vários, não este. E vê-la me remeteu àquele ano de 2006, em que minha vida parecia as paradas águas de um lago. Foi a voz de Piaf que, por vezes, conseguia agitar estas águas mansas, fazê-la seguir rumo a algum mar interior aqui dentro de mim, ainda que no breve espaço de uma canção em meados da década de 2000.

Mi*
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Non, Je ne Regrette Rien
(Tradução, pq meu francês é limitadíssimo
...
"Não, absolutamente nada
Não, eu não me arrependo de nada
Nem o bem que me fizeram
Nem o
Isso tudo me parece indiferente
Não, de jeito nenhum
Não, eu não me arrependo de nada
Está pago, varrido, esquecido
Dane-se o mundo
Com minhas lembranças,
Eu alimentei o fogo
Minhas mágoas, meus prazeres
Eu não preciso mais deles
Varridos os amores
Junto a seus aborrecimentos
Varridos para sempre
Vou recomeçar do zero
Não, de jeito nenhum
Não, eu não me arrependo de nada
Nem o bem que me fizeram
Nem o mal, tudo me parece igual
Não, de jeito nenhum
Não, não me arrependo de nada
Pois minha vida
Pois minhas alegrias Hoje
Isso tudo começa com você".

domingo, agosto 02, 2009



"O tempo é o lenço de todas as lágrimas" - Mia Couto.
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Todos somos Um
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Quis brigar com o Tempo. Medir forças com as suas forças. Mostrar-lhe o quão faço parte dele e ele de mim. Quis fazê-lo reconhecer que, se somos da mesma natureza, eu tinha direito de vencer a guerra, eternizar um amor que nem mesmo ele/ tu, Tempo, faria diluir. Mas passou/ passaste por mim, sem cessar. Nem por um segundo, me deixou passar sozinha. Esteve ali, me rodeando, me atravessando, grudado a tudo que me tocava e quanto eu vivia, enleado a mim, aos meus cabelos, ao meu corpo, aos sonhos que sonhava durante o banho, ou em meio a um mergulho na cama. Não pude deixar de notar sua presença. Mesmo quando não quis vê-lo passar, ele não se importou e desfilava diante de mim, dentro de mim, pelas minhas veias, entrando em minha respiração. Há 29 anos respiro-te, Tempo. Somos nós dois, de mãos dadas. E quando eu buscava um grande amor, era por te compreender que eu procurava, era para aprender sobre mim mesma que eu saía às festas, à praia, à faculdade. Era para me reconhecer na sua presença que tantas vezes chorei diante da face incompleta do amor.

Vejo, agora, que todas as minhas buscas foram por mim própria. Como naquele poema em que Pessoa parece ser o Eros em busca de sua Pisquê (vice-versa), mas na verdade esta busca era por si próprio, por se localizar e entender esta localização na vida, diante do mundo, das pessoas, diante de si mesmo frente ao universo.

És um amigo querido, Sr. Tempo. Hoje quis vir aqui, agradecer-te pelas horas que julguei mortas, mas que de mortas só havia minhas expectativas, momentaneamente, sem respirar. Vens passado comigo pela vida, e ao teu lado, amigo, tenho reconhecido que minhas ilusões são meros joguetes teus, instrumentos de pesquisas (de auto-pesquisas), as vias de acesso a mim mesma, a esta consciência que pulsa aqui dentro, debaixo dos barulhos da minha mente, dos conflitos em minha'lma, latentes na bagunça que faço no meu coração.

A ti, meus aplausos, meus agradecimentos, meu pedido de que fiquemos juntos. Tu e eu, nós e o mundo. Somos todos um, e nos desdobramos um no outro mediante a consciência que nos liga e nos religa a algo divino, sem nome, mas divino.

Mi*