domingo, agosto 29, 2010

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Somos mesmo seres civilizados? Saimos mesmo da caverna?

Saímos das cavernas, inventamos os utensílios, os aperfeiçoamos, melhoramos nossas casas, descobrimos como nos proteger do frio e de doenças. Foram tantos (mas tantos!) os avanços em nível tecnológico que mal dá para listar. Tudo para fugirmos do primitivismo que nos punha a viver como animais. Tornamos civilizados (?), inteligentes que guardam seus conhecimentos para serem perpetuamente transmitidos mediante letras, palavras...
Para isso, começaram o massacre às árvores para fazer papeis onde pudéssemos escrever. Escravos para produzirem aquilo que os considerados mais fortes (mais aptos) desejavam.

A verdade é que quisemos tanto nos tornar menos parecidos com os selvagens primatas, mas continuamos reproduzindo-os de forma sutil. A tecnologia nos escraviza, as armas nos matam uns aos outros produzindo um horror ainda maior do que os antigos...
E tudo o que fizemos para nos tirar da escuridão da ignorância parece ter sido em vão, pois continuamos escondidos em metáforas das antigas cavernas da mesma forma (vide os shoppings, os condomínios fechados, os clubes etc.). Qualquer coisa se torna objeto de capitalismo, mesmo a religião e os mitos que embaçavam a visão das pessoas na idade das trevas. Como diria David Lyon: “a religião se tornou um item de consumo delicadamente embalada – assumindo seu lugar entre as mercadorias que podem ser compradas ou rejeitadas de acordo com os caprichos de consumo de casa um”.

O Iluminismo e seu vasto elenco de pensadores trouxeram as ideias que pretendiam nos arrancar dessas trevas e do convívio com vultos ancestrais, mas ainda continuamos no escuro "cegos que enxergando não vê...".
Parece-me que todo o capitalismo gravita em torno da beleza, da segurança, do “não pensar”, enquanto a vida pós-moderna se cristaliza como rasa, oca em que o mais importante é sermos consumistas e não cidadãos, seres humanos, simplesmente porque tais valores não são rentáveis, não dão IBOPE, não se podem embrulhar em nenhuma fábrica de ilusões...
Definitamente, estamos involuindo...
Mi*

sábado, agosto 28, 2010



Orkut

Convivendo com o Orkut desde 2004 (logo quando foi lançado), é natural que eu sentisse vontade, em algum momento, de falar sobre essa rede social cuja influência no Brasil e na Índia é gigantesca, fazendo jus mesmo aos tamanhos dos dois países (subdesenvolvidos [em desenvolvimento? Isso é outra história]).

Lembro-me como se fosse hoje (e lá se vão 6 anos) quando a Karen chegou com essa novidade, super antenada que era, vinda das suas aulas de Ciências da computação.
O fato é que achei, de cara, o Orkut uma delícia. Simplesmente porque é uma delícia rever antigas colegas de escola, “facul”, Pós... mestrado, academia, inglês, etc.
É tão legal rever uma carinha conhecida, ver seus álbuns, saber que está tudo bem. Perco a conta de quantas amigas visito com o maior prazer, visto que me divirto muito com suas legendas, comunidades, passeios...
O Orkut é sinônimo de notícias de pessoas queridas. Esse é seu lado bom, positivo. Masssss (lá vêm as adversativas!), porém, todavia, contudo, no entanto...



Há, claro, o lado negativo, das trevas mesmo.
É aquele lado da moeda referente aos espíritos de porco que entram nos perfis alheios para vibrar energias ruins exatamente em nossa direção.
Há muito tempo (põe tempo nisso!) não entro em vários perfis, porque percebi rapidamente que se tratavam de territórios inóspitos.
E se existe a opção “Não entre mais lá”, resolvi me poupar de chateações, tristezas, saudades, e me fazer feliz dedilhando, apenas, as páginas que me fazem sorrir, distrair e vibrar de sensações boas, de otimismo.

Definitivamente, para mim, o Orkut (Facebook etc. [Adoro-os!]) estão aí, em minha opinião, para que reguemos amizades e não para alimentarmos desafetos que em sua natureza não podem fazer de nós, nem por meros segundos, pessoas melhores. Pelo contrário, só podem fazer o sujeito descer ladeira abaixo e direto ao subsolo do fundo do poço.

Viva o Orkut! Viva a amizade!...

Mi*



A vida me ensinou...

A dizer adeus às pessoas que amo sem tira-las do meu coração;
Sorrir às pessoas que não gostam de mim para mostrá-las que sou diferente do que elas pensam;
Fazer de conta que tudo está bem quando isso não é verdade,
Para que eu possa acreditar que tudo vai mudar;
Calar-me para ouvir;
Aprender com meus erros.
Afinal eu posso ser sempre melhor.


A lutar contra as injustiças;
Sorrir quando o que mais desejo é gritar todas as minhas dores para o mundo,
Perdoar incondicionalmente,
Pois já precisei desse perdão;
Amar incondicionalmente, pois também preciso desse amor;
A aproveitar cada instante de felicidade;
A chorar de saudade sem vergonha;
A Amar aos que me machucam ou querem fazer de mim depósito de suas frustrações e desafetos.
Enviado pelo amigo global, Pop star, My Boy.

Saudades da Chris Ramalho

Não é seu aniversário nem Dia dos Professores. Sequer são anos da minha formatura. Hoje é um dia comum que, por acaso, visitei o Facebook da Chris em seguida o seu blog. Ler seus textos me fez matar as saudades guardadas desde 2007, acho... Antes de ela partir pra Europa.
Senti uma vontade imensa de falar sobre minhas lembranças de graduação. Ela está na grande parte dessas memórias... Quis dizer o quanto sua figura materna e, sobretudo, condutora foi especial pra mim naquele momento da minha vida, nos anos de faculdade em que cursei várias disciplinas com essa loura linda, inteligentíssima, sensível, criativa.

Essa é mesmo a palavra ideal, porque pensar na Chris é pensar em "Criatividade". Tudo isso somado a um sorriso acolhedor e a uma voz firme, doce com seu sotaquezinho genuinamente carioca que acho lindo.
Ela me fez, enfim, entender (sentir) as letras dos livros verdadeiramente, senti-las não como meros grafemas, mas como algo vivo, pulsante. Sei lá... algo longe da indiferença que sentia em relação à leitura.
Com seu papel de prof. (sedutora), ela conseguiu nos envolver à literatura de um jeito especial. Acho que a maioria de seus alunos jamais a esqueceu por isso.
Ensinou-me, particularmente, a gostar das "mulheres de papel", de modo que me identifiquei com elas (com ela!) vendo-as como as mulheres que gostaria de ser.

Já sem sua orientação, conheci outras personagens femininas das quais ela nunca havia falado em aula, mas imaginei que as devesse conhecer, antenada do jeito que a Chirs é!...
Sempre (sempre!) me lembrava dela a cada nova figura enigmtática que conhecia. A Blimunda, a Maria de Magdala, todas as evas saramaguianas me faziam pensar: "A Chris vai adorar essa aqui!".

Queria lhe dizer apenas que, às vezes, não sabemos bem o quanto fomos (somos, por sorte) importantes na vida de um aluno. Por vezes, mal imaginamos o quanto ele pode nos levar em seus corações por toda a vida, de forma inconsciente até. O bonito é quando isso acontece de forma natural assim. Gostaria de ter aproveitado mais sua companhia, de ter ido mais ao encontros em sua casa. Sempre quis lhe agradecer também pelos conselhos em tom de conversa agradável (Nunca em tom de autoridade de quem adora ensinar os outros a viver). A Chris nunca foi arrogante. Doce continuamente, serena idem...
De qualquer forma, deixo aqui meu suspiro de saudade da professora-amiga-mãe mais especial e querida que eu pude ter em minha vida acadêmica e afetiva.
Amo-te, Chris!
Da sua filha postiça.
Sem mais "rasgação de sedas" e de cafonices (sinceras porém!).
With love,
Mi.

domingo, agosto 22, 2010



"Enfeite-se com margaridas e ternuras e
escove a alma com leves fricções de esperança.
De alma escovada e coração estouvado,
saia do quintal de si mesmo e descubra o próprio jardim.
Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para
quem passe debaixo de sua janela.
Ponha intenções de quermesse em seus olhos e
 beba licor de contos de fada.
Ande como se o chão estivesse repleto de sons
de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas,
 cada qual trazendo uma pérola falante a
dizer frases sutis e palavras de galanteria."

Artur da Távola

sábado, agosto 21, 2010




"O melhor está nas entrelinhas"
  (Silence is golden)

Estava borboletando pelos blogs, fotologs e diários online alheios. Não de amigos, pq na nossa idade as pessoas tendem (TENDEM) a escrever de maneira mais, como diria... profunda? Esses que li me pareceram mais adolescentes em fase de descobrimento (ou "cobrimento") das coisas.
Achei tais textos engraçados e, claro, lembrei muito de mim em tenra idade, seguida dos meus vinte e poucos anos.

O jeito das meninas escreverem, aquela linguagem mista de ansiedade e exibicionismo, um toque de deslumbramento somado à necessidade de falar de si, de seus dias, o quão são tediosos ou felizes, mas, enfim, uma necessidade avassaladora de provar (talvez, mais a si mesmas) que estão vivas, tudo me cheirava à ansiedade e a um pouco de angústia disfarçada em notas sobre festas.
Sem pensar, acessei a um antigo site onde escrevia. Reli as narrativas antigas, abandonadas, largadas às traças e à poeira do tempo, à frieza da tela...
Na verdade, me surpreendi, pq aos vinte e poucos me revelei um tiquinho mais amadurecida, de modo que a minha escrita já pendia mais para o poético trazido das Letras clássicas apreendidas em solos cariocas.
Claro que, na época do diário escrito à mão, escrevia muitaaa abobrinha: a ansiedade em dias de shows (sobretudo quando comecei a seguir o Roupa Nova com o fã clube); ou quando ia aos bons restaurantes do Rio, ou mesmo do nordeste (Fsa, SSA, Recife, Maceió), sempre punha lá.
Queimei muitos diários em 2000, com minha amiga Jack, porque havia me enchido de tantas lembranças arquivadas de maneira tosca, no sentido mesmo de inacabado, infantilizado das palavras.

Enfim...
Lendo tais meninas, uma que trabalha com meu Karma, lembrei de minhas fases anteriores.
Hoje, já não sinto a menor vontade de falar sobre meu dia a dia em diários.
Preguiça? Não... Amo escrever... Acho é que nosso estilo, quanto à escrita, muda mesmo com o tempo. Requinte não faz mal a nenhuma mulher de trinta anos (cravados, no meu caso).
Talvez isso seja só amostra de que prefiro discrição à exposição do meu cotidiano. Para que falar aonde fui, com quem fui, o que fiz, o que provei? Com detalhes ainda? Não, não. O silêncio vale ouro... Vale muito. Como diria Lulu Santos "O que eu ganho e o que eu perco ninguém precisa saber".

Claro que escrevo ainda... Contudo, a linguagem é outra!... Menos supérfluos. Menos exarcebação do meu léxico.
Escrevo, sim, sobre as minhas queridas e distrativas viagens, mas vejo que é algo mais sutil, mais tranquilo como a vontade singela de guardar a lembrança em formato de narrativa, menos superficial.
Acho que trago a dicção de quem se acalmou diante das intempéries da vida, de quem sabe que entrar e sair de um lindo lugar pode significar nada se, antes, não tiver entrado, mergulhado, na verdade, em mim, revendo erros e acertos, refletindo sobre posturas etc., me perdoando, crescendo. 
Do contrário, sem antes estar centrada em mim, não conseguiria sentir a anergia de lugar algum, tampouco das pessoas com quem divido lindos momentos (nem mesmo os feios [ruins] com o quais aprendo mais ainda).
Há como dizer de nós em diários online ou secretos, sem dizer tanto, sem dizer tudo tão claramente, pq, senão perde até o gracejo na simbologia e sutileza das coisas.
Porque, afinal... "Já que há de escrever que ao menos não se esmaguem de palavras as entrelinhas. O melhor ainda não foi escrito. O melhor está nas estrelinhas".

P.S. Sempre que penso nesta frase de Clarice, lembro da minha boneca, a Flavinha. Recitamos algumas vezes em voz alta e era uma delícia dizermos sorrindo, saboreando as letrinhas. Nunca vou me esquecer dela...
By Mi*




Sentir Saudades de Não é a mesma coisa que Sentir Falta de

Não estou bem certa sobre isso, mas me ocorreu que existe, sim, uma tênue e sutil diferença entre "sentir saudades" e "sentir falta" de algo ou de alguém.
É meio doido isso, contudo, usando o condimento da sensibilidade, facilmente há como experimentar essa diferença. "Sentir falta de" soa como uma necessidade a ser suprida urgentemente, porque, do contrário, dói, angustia...

Saudade, não...
Parece-me uma sensação mais calma, beira à Nostalgia, habita esse campo semântico. Pensar na palavra "Saudade" me faz até saltar para um lugar mais além... remete ao território das poesias ou das lembranças, espaço onde é possível pisar, por vezes, sem querer, ou mesmo querendo, não é um terreno praticamente inóspito, sufocante, devido à urgência do desejo.
A verdade é que "sentir saudades" se distingue, de fato, do "sentir falta".





Sentir a falta de certas pessoas (namorado), por exemplo, me faz imediatamente criar imagens de lacunas, espaços vazios, em branco, buraco enorme e sombrio.
Pensar em Saudade me lança a coisas simples, como o cheiro do bolo da minha mãe, ou da Angela, ou da leitura daquele livro querido, algo que posso ter sempre e mesmo não tendo, não dói... não inflama, não me faz sentir nem um vazio, porque é mais doce, mais terno, talismã querido guardado na gaveta da memória.
"Falta de" talvez seja "estar vazio de", a ponto de angustiar-se e de tudo ficar cinza, down, depressão.
"Saudade de" seria, quem sabe?, estar cheia de... lembranças (tristes ou alegres, mas sem urgência, sem amargura).
Não estou bem certa ainda sobre isso, mas talvez observar essas distinções faça mesmo algum sentido.
Mi*

domingo, agosto 15, 2010



Blimunda, Baltasar e seus sóis e luas fundidos

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Era uma vez uma vidente, não de futuro ou divagações
Via através das artérias e dos sangues, via vontades,
A realidade nua, doída, faminta
Era vez um maneta que, de nada ver, um dia vê demasiado
Juntos em trindade profana com o padre sonhador
Recolheram vontades, esticaram vimes e arames,
Construíram um sonho de voar por ares nunca dantes voados
de explorar a si próprios e um ao outro
Era uma vez uma vidente, um maneta e um padre sonhador
E somente os três bastaram para tirarem o pé do chão
Porque só tirando-os é que, verdadeiramente, se alcança
As estrelas...
Mi Rolim.

sábado, agosto 14, 2010



Blimunda, Baltasar e o amor segundo Saramago




Em meio às páginas de Memorial do convento vi escrito o ano em que o havia lido pela primeira vez. Já lá se vão cinco anos. Tempos de UERJ. Passaram depressa, é bem verdade...
Quis reler Saramago de qualquer maneira. Já havia recomeçado com as leituras de seu blog e do site da Fundação antes de sua partida... Mas havia, neste momento, uma leitura em especial.

O Memorial trabalha duas ideias de que eu necessitava experimentar novamente: o amor nada cafona e a construção de sonhos. Claro que várias pessoas já falaram acerca disso, sobre a questão de nossa energia, nossas vontades serem a mola propulsora que nos faz saltar até a realização de grandes feitos. Só que Saramago fala de um jeito diferente. Um jeito só dele...
Quis reviver as letras daquele texto como quem precisa tomar, de vez em quando, um conhecido antídoto, uma poção daquelas que mexem conosco de uma forma singela, mas que nesta simplicidade nos fazem mudar a paisagem interior, fazendo-nos acordar para a vida (a minha, a dos outros, a do mundo como um gigante organismo, pulsante, cheio de “nuvem branca=vontades=sonhos”).





O livro trata de construções paralelas e distintas: a do convento em Mafra, a da passarola, a das relações afetivas da “trindade profana” entre Baltasar, Blimunda e o amigo padre Bartolomeu. Mas todas precisavam de muita vontade para se sustentarem.
Para a edificação do convento foram necessárias inúmeras pessoas (muitas morreram durante, dando suas vidas serviçais para a nobreza de vangloriar de um prédio onde jamais puseram as “delicadas” mãos). Como para a erigir a concha voadora precisariam de mais pessoas, Blimunda se encarrega de colher as vontades de pessoas quando elas deixam seus corpos.



Se na ordem comum, as vontades sobem às estrelas, ao sol, segurando-os no firmamento, a vidente saramaguiana as recolhe antes desta subida, porque é preciso muita, mas muita vontade junta para se construir um sonho. Eles eram apenas três, mas o dom da mulher aqui vale pelas centenas que constroem o convento.
São as nossas vontades que fazem o mundo, a vida, terem sentido e sonhos realizarem-se.


 
 
É a fé que mantém as luzes da vida acesas, os deuses vivos, os desejos nos incendiarem, nos acordarem a cada dia para seguirmos adiante.
Eu precisava ler isso novamente através da vidraça das palavras simbólicas da literatura, mas tinham de ser estas palavras, da forma como foram postas e antepostas entre si, unindo-se numa leitura recheada de um lirismo nem um pouco piegas ou desgastado.


O amor, em Saramago, está longe de ser o propagado pela mídia, pelos comerciais de Dia dos Namorados, e votos renovados em Bodas de ouro. Não é vulgar, nem dito com palavras de amor, porque ele revela uma forma de viver o amor sem aqueles corriqueiros puídos textos.


É por isso que gosto de literatura. Aqui, podemos, com sorte (sensibilidade?) aprender a enxergar além de nós mesmos e a encontrarmos sentimentos ditos e manifestados de um jeito diferente, talvez não exatamente do jeito que flagramos na vida para além da leitura, mas que existe e brilha em alguma galáxia vibrante (= em alguma página de livro) querendo insinuar sua possibilidade de vida e, sobretudo, de sinceridade mesmo aqui onde vivemos, no Mundo das Coisas. Este é sempre o tipo de amor que vemos em sua obra. Este é o amor segundo Saramago.
Mi.

sábado, agosto 07, 2010


Horas rubras 
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Horas profundas, lentas e caladas
Feitas de beijos sensuais e ardentes,
De noites de volúpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas

Ouço as olaias rindo desgrenhadas
Tombam astros em fogo, astros dementes.
E do luar os beijos languescentes
São pedaços de prata p’las estradas

Os meus lábios são brancos como lagos
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras

Sou chama e neve branca misteriosa
E sou talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu Poeta, o beijo que procuras!


(Florbela Espanca).






Anos sem diários

Há uns dois anos, deixei de escrever em diário. Coisa de adolescente ou não, o fato é que escrevia desde criança e este hábito me fez companhia durante anos e anos. Mesmo que hoje eu releia e ache os textos um montante de bobageiras, reconheço que, naquele momento, tiveram um papel especial, porque me ajudavam a refletir sobre os acontecimentos. Acredito na catárse produzida no envolvimento com a escrita íntima. Enquanto escrevia, relembrava e me auto-analisava dentro de um processo de autoconhecimento que só podia me trazer bons fluidos.
No mestrado, sobretudo, compreendi as benesses de ter escrito a vida inteira. Pesquisei sobre a escrita íntima e vi porque eu escrevia: fuga, ânsia por autoconhecimento e buscas por relevações subterrâneas, automodelagem em meio a outras especificidades. A descoberta foi além da ideia de apenas desabafar...
Na verdade, quando releio, mal me reconheço. A letra, os contornos, o que era importante pra mim na altura... tudo me faz sentir como uma espécie de invasora do próprio território. Era outra pessoa de fato. Com conflitos e necessidades pecualires à idade, os medos e deslumbramentos... Tanta coisa caída por terra diante das experiências advindas com a idade.
Acho que o maior papel daqueles textos está em eu poder comparar as nuances do meu Eu e, felizmente, descobrir o quanto o sujeito pode evoluir, crescer, melhorar, expandindo-se mediante uma lista enorme de grandes e pequenas vitórias.
Hoje em dia, no entanto, tenho escrito menos. Os textos acadêmicos me fizeram olhar mais pro Outro em vez de focar apenas a minha existência. Ainda escrevo... casualmente, no ponto de ônibus ou no metrô, quando encontro algum papel perdido na bolsa e não resisto à tentação de rabiscar e fugir daquele cenário de agitação, tão oposto à minha calmaria. Mas a dinâmica de antes diminuiu, assim como as minhas ansiedades e espectativas juvenis. É assim o ritmo da vida, assim crescemos nós.
Mi*

domingo, agosto 01, 2010



A busca

Constantemente, ouço frases dizendo sobre a perene insatisfação do ser humano. Estamos sempre em busca de algo e, quando atingimos o alvo, elegemos outro e assim sucessivamente. Geralmente, não nos sentimos inteiros por muito tempo. Logo nascem outras vontades... E se fosse diferente, não estaríamos vivos. Viver é isso... estar incessantemente à procura de preencher vazios (antigos ou não), lacunas, como se estivéssemos (e estamos) em permanente construção, crescendo e eternamente querendo nos alimentar de algo, às vezes, sem nome.
As buscas, afinal, justificam nossa existência e o Desejo torna-se combustível para continuarmos vivos.
Sempre me lembro do poema épico "A Odisseia" e de seu Ulisses cuja vontade de viver o fez abandonar a calmaria e certezas do Paraíso onde viveu por anos com a deusa Calipso. A Ilha de Ogígia e sua paz entediante não conseguiu mantê-lo ali, porque ele havia perdido a vontade de viver, os desejos lhe haviam sumido de todo o coração. Sem desejo o que seríamos? Fantasmas, zumbis...
Já me flagrei com diversos tipos de vontades. Cada uma mais diferente que a outra. Vontade de cheirar livro empoeirado de biblioteca', de tomar sorvete no frio, de abraçar alguém mesmo estando com raiva dele. Mas, claro, geralmente, minhas vontades manifestam-se de forma mais comum e em perfeita sintonia comigo e com os acontecimentos.
Desejos coerentes ou incoerentes, o fato é que sem estes ou sem aqueles tudo perderia completamente o sentido. 
Mi*



Bebido o luar, ébrios de horizontes,

Julgamos que viver era abraçar
O rumor dos pinhais, o azul dos montes
E todos os jardins verdes do mar.
Mas solitários somos e passamos,
Não são nossos os frutos nem as flores,
O céu e o mar apagam-se exteriores
E tornam-se os fantasmas que sonhamos.
Por que jardins que nós não colheremos,
Límpidos nas auroras a nascer,
Por que o céu e o mar se não seremos
Nunca os deuses capazes de os viver.

Sophia de Mello Breyner Andressen.