sábado, agosto 07, 2010


Horas rubras 
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Horas profundas, lentas e caladas
Feitas de beijos sensuais e ardentes,
De noites de volúpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas

Ouço as olaias rindo desgrenhadas
Tombam astros em fogo, astros dementes.
E do luar os beijos languescentes
São pedaços de prata p’las estradas

Os meus lábios são brancos como lagos
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras

Sou chama e neve branca misteriosa
E sou talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu Poeta, o beijo que procuras!


(Florbela Espanca).






Anos sem diários

Há uns dois anos, deixei de escrever em diário. Coisa de adolescente ou não, o fato é que escrevia desde criança e este hábito me fez companhia durante anos e anos. Mesmo que hoje eu releia e ache os textos um montante de bobageiras, reconheço que, naquele momento, tiveram um papel especial, porque me ajudavam a refletir sobre os acontecimentos. Acredito na catárse produzida no envolvimento com a escrita íntima. Enquanto escrevia, relembrava e me auto-analisava dentro de um processo de autoconhecimento que só podia me trazer bons fluidos.
No mestrado, sobretudo, compreendi as benesses de ter escrito a vida inteira. Pesquisei sobre a escrita íntima e vi porque eu escrevia: fuga, ânsia por autoconhecimento e buscas por relevações subterrâneas, automodelagem em meio a outras especificidades. A descoberta foi além da ideia de apenas desabafar...
Na verdade, quando releio, mal me reconheço. A letra, os contornos, o que era importante pra mim na altura... tudo me faz sentir como uma espécie de invasora do próprio território. Era outra pessoa de fato. Com conflitos e necessidades pecualires à idade, os medos e deslumbramentos... Tanta coisa caída por terra diante das experiências advindas com a idade.
Acho que o maior papel daqueles textos está em eu poder comparar as nuances do meu Eu e, felizmente, descobrir o quanto o sujeito pode evoluir, crescer, melhorar, expandindo-se mediante uma lista enorme de grandes e pequenas vitórias.
Hoje em dia, no entanto, tenho escrito menos. Os textos acadêmicos me fizeram olhar mais pro Outro em vez de focar apenas a minha existência. Ainda escrevo... casualmente, no ponto de ônibus ou no metrô, quando encontro algum papel perdido na bolsa e não resisto à tentação de rabiscar e fugir daquele cenário de agitação, tão oposto à minha calmaria. Mas a dinâmica de antes diminuiu, assim como as minhas ansiedades e espectativas juvenis. É assim o ritmo da vida, assim crescemos nós.
Mi*

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