sábado, agosto 14, 2010



Blimunda, Baltasar e o amor segundo Saramago




Em meio às páginas de Memorial do convento vi escrito o ano em que o havia lido pela primeira vez. Já lá se vão cinco anos. Tempos de UERJ. Passaram depressa, é bem verdade...
Quis reler Saramago de qualquer maneira. Já havia recomeçado com as leituras de seu blog e do site da Fundação antes de sua partida... Mas havia, neste momento, uma leitura em especial.

O Memorial trabalha duas ideias de que eu necessitava experimentar novamente: o amor nada cafona e a construção de sonhos. Claro que várias pessoas já falaram acerca disso, sobre a questão de nossa energia, nossas vontades serem a mola propulsora que nos faz saltar até a realização de grandes feitos. Só que Saramago fala de um jeito diferente. Um jeito só dele...
Quis reviver as letras daquele texto como quem precisa tomar, de vez em quando, um conhecido antídoto, uma poção daquelas que mexem conosco de uma forma singela, mas que nesta simplicidade nos fazem mudar a paisagem interior, fazendo-nos acordar para a vida (a minha, a dos outros, a do mundo como um gigante organismo, pulsante, cheio de “nuvem branca=vontades=sonhos”).





O livro trata de construções paralelas e distintas: a do convento em Mafra, a da passarola, a das relações afetivas da “trindade profana” entre Baltasar, Blimunda e o amigo padre Bartolomeu. Mas todas precisavam de muita vontade para se sustentarem.
Para a edificação do convento foram necessárias inúmeras pessoas (muitas morreram durante, dando suas vidas serviçais para a nobreza de vangloriar de um prédio onde jamais puseram as “delicadas” mãos). Como para a erigir a concha voadora precisariam de mais pessoas, Blimunda se encarrega de colher as vontades de pessoas quando elas deixam seus corpos.



Se na ordem comum, as vontades sobem às estrelas, ao sol, segurando-os no firmamento, a vidente saramaguiana as recolhe antes desta subida, porque é preciso muita, mas muita vontade junta para se construir um sonho. Eles eram apenas três, mas o dom da mulher aqui vale pelas centenas que constroem o convento.
São as nossas vontades que fazem o mundo, a vida, terem sentido e sonhos realizarem-se.


 
 
É a fé que mantém as luzes da vida acesas, os deuses vivos, os desejos nos incendiarem, nos acordarem a cada dia para seguirmos adiante.
Eu precisava ler isso novamente através da vidraça das palavras simbólicas da literatura, mas tinham de ser estas palavras, da forma como foram postas e antepostas entre si, unindo-se numa leitura recheada de um lirismo nem um pouco piegas ou desgastado.


O amor, em Saramago, está longe de ser o propagado pela mídia, pelos comerciais de Dia dos Namorados, e votos renovados em Bodas de ouro. Não é vulgar, nem dito com palavras de amor, porque ele revela uma forma de viver o amor sem aqueles corriqueiros puídos textos.


É por isso que gosto de literatura. Aqui, podemos, com sorte (sensibilidade?) aprender a enxergar além de nós mesmos e a encontrarmos sentimentos ditos e manifestados de um jeito diferente, talvez não exatamente do jeito que flagramos na vida para além da leitura, mas que existe e brilha em alguma galáxia vibrante (= em alguma página de livro) querendo insinuar sua possibilidade de vida e, sobretudo, de sinceridade mesmo aqui onde vivemos, no Mundo das Coisas. Este é sempre o tipo de amor que vemos em sua obra. Este é o amor segundo Saramago.
Mi.

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