terça-feira, outubro 20, 2009



De Clarice para qualquer alma
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Já escondi um AMOR com medo de perdê-lo,
já perdi um AMOR por escondê-lo.
Já segurei nas mãos de alguém por medo,
já tive tanto medo, ao ponto de nem sentir minhas mãos.
Já expulsei pessoas que amava de minha vida,
já me arrependi por isso.
Já passei noites chorando até pegar no sono,
já fui dormir tão feliz, ao ponto de nem conseguir fechar os olhos.
Já acreditei em amores perfeitos,
já descobri que eles não existem.
..
Já amei pessoas que me decepcionaram,
já decepcionei pessoas que me amaram.
Já passei horas na frente do espelho tentando descobrir quem sou,
já tive tanta certeza de mim, ao ponto de querer sumir.
Já menti e me arrependi depois,
já falei a verdade e também me arrependi.
Já fingi não dar importância às pessoas que amava,
para mais tarde chorar quieta em meu canto.
Já sorri chorando lágrimas de tristeza,
já chorei de tanto rir.
..
Já acreditei em pessoas que não valiam a pena,
já deixei de acreditar nas que realmente valiam.
Já tive crises de riso quando não podia.
Já quebrei pratos, copos e vasos, de raiva.
Já senti muita falta de alguém, mas nunca lhe disse.
Já gritei quando deveria calar,
já calei quando deveria gritar.
Muitas vezes deixei de falar o que penso para agradar uns,
outras vezes falei o que não pensava para magoar outros.
..
Já fingi ser o que não sou para agradar uns,
já fingi ser o que não sou para desagradar outros.
Já contei piadas e mais piadas sem graça, apenas para ver um amigo feliz.
Já inventei histórias com final feliz para dar esperança a quem precisava.
Já sonhei demais, ao ponto de confundir com a realidade...
Já tive medo do escuro, hoje no escuro
"me acho, me agacho, fico ali".
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Já cai inúmeras vezes achando que não iria me reerguer,
já me reergui inúmeras vezes achando que não cairia mais.
Já liguei para quem não queria apenas
para não ligar para quem realmente queria.
Já corri atrás de um carro, por ele levar embora, quem eu amava.
Já chamei pela mamãe no meio da noite fugindo de um pesadelo.
Mas ela não apareceu e foi um pesadelo maior ainda.
..
Já chamei pessoas próximas de "amigo" e descobri que não eram...
Algumas pessoas nunca precisei chamar de nada
e sempre foram e serão especiais para mim.
Clarice Lispector.
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P.S. Meu momento Clarice Lispector:
Comecei ontem a ler "A paixão segundo G.H.".
Na verdade, só atinei para a existência desse livro em 2007, quando estive em São Paulo, no Museu da Língua Portuguesa, onde havia uma exposição sobre Clarice: objetos pessoais, cartas, manuscritos (Adoro esses vestígios autobiográficos). Depois, pretendo escrever sobre esse livro. Mas, por hoje, penso apenas que essa será mais uma daquelas leituras que me atravessam e mudam minha vida... para sempre.
Mi.

segunda-feira, outubro 19, 2009


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Cacos de vidro e os pedaços de mim
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Parece engraçado ver como os vidros quebrados se partem
e se espalham em tamanhos variados. A espaços, esbarro-me ainda com cacos daquela xícara que
Se quebrou, estendendo-se por lugares inesperados e escuros: constantemente, prontos para cortar.
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Pensei em quantas Michelle’s me dividi ao longo desses anos.
Em tamanhos irregulares como os vidros quando se quebram? Algumas pessoas guardaram, talvez, pedaços maiores meus? Ou pequenos? Mais afiados?
Onde estão todas as impressões que causei? Será que me estilhacei como aqueles cacos de vidro no chão e por toda a parte da sala de estar? Será que me escondi, cortante, em algum coração no escuro? Ou brilhante, como uma lembrança feliz? Ou será ainda que, em maior proporção, alguém lembra de mim como algo quisesse abraçar inteiramente, como um bloco sólido, uma forma regular e preenchida?
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Sem querer, nós todos nos dispersamos, dia após dia, nos desdobramos através de percepções alheias. Somos seres fragmentados, como raios partidos da mesma luz. Eu mesma vejo-me como esse vidro que se partiu há pouco na sala de estar: desmontada em pedaços maiores e menores, como parte de algo que, algum dia, foi inteiro (Será?). Inevitável é não desejar que, numa hora dessas qualquer, possa conseguir reunir meus pedaços. Ao mesmo tempo reconheço meu destino de ir para além de mim própria, de me desgarrar, me desprender...
O lado positivo do cristal trincado e partido é que ele ultrapassa os limites do ser si mesmo, traz o caos e a busca pela ordem, mesmo que a regularidade de antes se torne impossível. Será que somos colados pela vida o tempo todo?
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Escrevo, teço e discorro. Penso: O que são essas palavras? E os cacos de mim me gritam dos pequenos brilhos espargidos: elas são a minha eterna tentativa de reconstituir, na escrita, os estilhaços de um todo em mim.
Michelle.

sexta-feira, outubro 16, 2009


Escoando
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Sabe aquela água que desce pelo chuveiro num dia quente,
quando sente uma imensa vontade de se esquecer ali debaixo da pequena represa?
Sabe aquele fio de líquido caindo pela torneira enquanto vc lava a taça suja de vinho?
Sou eu. Vim confessar minha imaterialidade.
Pois que sou tudo que escorre e escoa e desce e dilui.
Sou o tempo que em si mesmo não se reconhece.
Sou essa saudade que passa e vai passando e me levando com ela
Sufocando-me e me faz sentir como algo que se esvai e vai...
Pra onde? Onde está o Sol?
Sou o rio correndo depressa, esse mesmo rio onde afogo meus pés cansados, vacilantes.
Sou esse ser impalpável...
Respirando apenas nos espaços entre uma palavra e uma vírgula,
abrindo áspas para a saudade, espremida entre as frases errantes n
a solidão que sou no rio-do-tempo em mim mesma.
Mi*

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Still here
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Não sei por que ..
À beira do mar, na Primavera, não sei por que meu coração te escolheu
Entre as idas e vindas curvas e retidões dos anos
continuas vivendo em mim
Pelos escombros dos sonhos que se afogaram em desilusões... ..
Não sei por que, mas aquele beijo com o sabor da eternidade não foi dado a ninguém
Depois da morte do meu amor, por baixo das marés entre sobe e desce descobri-te ainda...
Continuas vivendo em mim...
Flagrei-te como quem apanha um ladrão na escuro do quarto
Como alguém que viveu intensamente, mas que, hoje, respira
devagar porque esteve à beira da morte, em outras estações...
Não entendo o porquê. Uma sentença de vida? Ironia?
Será que descobriram, em mim, os deuses
um maleável brinquedo?
Uma praia nua onde pudessem fechar e abrir cortinas
Levando e trazendo o Sol ao sabor dos ventos?
E eu continuo sem compreender.
Mas, a verdade é que te localizei hoje aqui
Bem dentro do coração...
Remexendo-se como um pássaro ferido e faminto
por baixo da minha saudade.
Mi.

quarta-feira, outubro 14, 2009

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Para o Pequeno Príncipe
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Nossa, há quanto tempo...
Como vão as coisas no seu pequeno planeta?
Aqui, no meu, andam imensamente estranhas – muito baobá para pouca flor, se é que você entende meus simbolismos. Quem sempre fala de você é aquela ex-miss que vivia chorando por sua causa, lembra? Ela me contou da sua amizade com a Raposa.
Príncipe, como você é meu amigo de infância, não posso deixar de alertá-lo. Cuidado com a Raposa. Ela parece uma coisa, mas é outra. Faz-se de fofa e é uma cobra, uma chantagista. Quando a conheci, ela disse que não podia conversar comigo, pois não sabia quem eu era.
“A gente só conhece bem as coisas que cativou”, ela falou, toda insinuante.
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Respondi que, se nós duas nos cativássemos, ela ficaria triste quando eu fosse embora. Foi quando saquei que ela queria ter um cacho comigo, pois a Raposa pegou no meu cabelo – eu estava loira na época – e disse que tudo bem, porque ela olharia os campos de trigo e se lembraria de mim. Marcamos um encontro para o dia seguinte, às 4. E ela me pediu para chegar às 4 em ponto, dessa forma ela ficaria feliz desde as 3 somente por esperar o momento do nosso encontro.
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Achei estranho, mas pensei que fosse charme. Não era.
Cheguei 15 minutos atrasada e a Raposa surtou. Falou que nós somos eternamente responsáveis por aquilo que cativamos. E perguntou para mim, olhando diretamente nos meus olhos, se eu tinha consciência de que “perder tempo” com o outro é o que faz essa história importante. Percebeu o tom de chantagem?
Ela joga na cara tudo o que faz em nome do outro.
Ela deseja afeto, mas o quer como uma responsabilidade de mão única.
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Porém, também somos responsáveis quando nos deixamos cativar – relacionamentos são vias de mão dupla. A Raposa exige a certeza de um compromisso com hora marcada, impondo regras à troca afetiva. As regras dela, claro, já que ela quer todo o afeto a favor de seu bem-estar. Chega a ponto de dizer que será feliz porque você virá. Como se a felicidade fosse algo condicionado ao outro, à espera do outro, ao encontro com o outro.
Veja que coisa infantil.
São as crianças que precisam de horários certinhos e de associar suas emoções às pessoas com quem se relacionam. Sentindo prazer ou desprazer diante da ausência ou presença da mãe ou do pai ou de quem quer que seja. Na criança, ainda não há um universo interior, entendeu?
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Quando nós crescemos, temos de conseguir ver o mundo através das próprias perspectivas. Enxergar a beleza de um trigal sem nos lembrar de ninguém. A Raposa, como uma criança assustada, quer que aqueles que a amam estejam com ela na hora em que ela deseja. Achando que eles são “responsáveis” pela felicidade dela. Ou seja, o outro lhe deve algo por tê-la cativado. Desde esse dia, não falo mais com ela. E aconselho você a fazer o mesmo. Ela não é flor que se cheire.
Saudades distantes,
Fernanda Young.
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P.S. Sempre quis postar esse texto Young.
É um desmoronar dos mitos de amor eterno trabalhados no livro de Exupéry.
É uma perspectiva de leitura que vale a pena conhecer também.
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Nas margens de um rio chamado Eu
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Olhe
Lá está eu!
Eu fluindo...
Sem saber para onde...
Sem saber desde quando...
Mas estou indo!
Em uma correnteza apelidada por Tempo.
Onde o Tempo não sei se sou eu que sigo
Ou é ele que me segue.
Karline Batista.

Meu amor é um passo de fé no abismo em seu olhar
(Abismo)

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Bem daqui onde estou
já não dá pra voltar
Nas alturas do amor
Onde você chegar
Lá eu vou...
E o que mais a fazer
a não ser me entregar?
A não ser não temer
O abismo em seu olhar
ou é mar?
O seu olhar...
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Não há precipícios na vertigem do amor
Só descobre isso quem se jogou
Não sou eu que me faço voar
o amor é que me voa
E atravessa o vazio entre nós
pra te dar a mão
Não sou eu que me faço voar
o alto é que me voa
Meu amor é um passo de fé
no abismo em seu olhar
Ah, ah, ah...
No seu olhar
Me vejo andar no ar
lá no abismo lindono seu olhar.
Jorge Vercilo.

terça-feira, outubro 13, 2009




Saramago: "Twitter é a antecâmara do grunhido".
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Como não poderia deixar de ser, Saramago se posiciona em relação ao fenômeno Twitter. Quis postar! Vamos ler...
Diário Digital: O senhor acompanha o fenômeno do Twitter? Acredita que a concisão de se expressar em 140 caracteres tem algum valor? Já pensou em abrir uma conta no site?
Nem sequer é para mim uma tentação de neófito. Os tais 140 caracteres reflectem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido.
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Isso é a cara dele mesmo! "Saramago-AmaRgo!" haha!
Concordo, em partes, com o Nobel. Aliás, abro parênteses para meu espanto diante do prêmio Nobel da Paz ao presidente norte americano B. Obama. Genteeee, o presidente de um país que possui a maior indústria bélica do mundo??? Sem mais comentários! Bloody hell!
Mi*


Doces amigos: Cinho e Mary


Pastelaria
...
É claro que, quando adolescentes, sonhávamos em amizade eterna e amor eterno, etc. E havia um medo de não poder cumprir nosso trato com o "forever and ever". É natural dessa fase fazermos as alianças com a Senhora Eternidade e nos vermos, constantemente, às voltas com o ideal de "felizes para sempre".
A verdade é que, embora nos vejamos pouco, sempre quando nos vemos, é como se os anos não tivessem se passado demasiado. No máximo, é como se estivéssemos voltando das férias de Verão, que são as mais longas do ano.
Mas os anos se passaram! (E se passaram!). Há dez anos, nosso segundo grau, no Assis, acabou. E mesmo diante da passagem do tempo, podemos pensar que, em certa medida, a distância temporal e, por vezes, geográfica não nos afastou definitivamente, porque, de alguma forma, é como se nem tivesse passado, tanto assim, por nós.



A.M.I.G.O.S. {Mi, Jack e Cinho}

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Dizer que não passou tb é demais! Afinal... estamos saindo da casa dos vinte, a época do cursinho já passou, a graduação idem (cada um com rumos diferentes). Namorados foram, vieram novos. Mudanças de casas, cidade, de sonhos (pq não?). É bom mudar alguns sonhos também. Tirar a poeira de outros. Hoje, tirei a poeira de cima do meu desejo de que nossa amizade perdure um pouco mais. Até estarmos velhinhos. Quem sabe? (Eu torço por isso). No mais... Apesar de me chamarem de Elba Ramalho nesta foto, eu a postei mesmo assim, pq está alegrinha. E está de verdade. Isso é o mais legal...
Mi*

segunda-feira, outubro 05, 2009


Os Maias (Eça de Queirós)
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De todas as leituras feitas na minha vida, sempre me refiro a Os Maias como a mais completa. Não sei se foi porque assisti à minissérie num momento desses qualquer em que estamos demasiado fragilizados. O fato é que sempre penso nesse livro, na forma como Eça descreveu Portugal oitocentista, no amor qe se cumpriu na ficção dos personagens Carlos e Maria Eduarda da Maia. Volta e meia, coloco o DVD para assitir e salto para dentro das imagens de época, completamente arrastada pelo ludismo do linguajar, dos hábitos e da moda do século XVIII. Hoje em dia, após as leituras de outros livros queiroseanos, vejo que Maria Eduarda foi a única personagem feminina, verdadeiramente, levada a serio pelo autor, no sentido de que as outras tinham sempre perfis descritos como frágeis, fúteis como a Luiza, de Primo Basílio. Maria Eduarda, não. É forte, prendada, prudente, séria, responsável, mas que vive uma relação por necessidade financeira e, diante dos encantos e instências de Carlos, se rende ao adultério após muita resistência. A prima do promíscuo Basílio era aquela típica jovem romântica, inconsequente nas suas atitudes, a adúltera arrependida. Maria Eduarda não se arrepende de nada e assume suas atitudes. Além de ser a única personagem de Eça descrita como "Deusa".



Gosto mesmo de ver e rever as cenas. De ler e reler, de me ver, por vezes, fazendo uma atividade corriqueira e me pegar, distraída, repetindo passagens do livro, como quem degusta uma fruta doce "Queres conhecer o Ramalhete?". Acho bonito esse antigo hábito de batizarem as casas com nomes assim... A toca, Ramalhete...
Também penso que, naquela época, as mulheres de toda a parte eram muitos submissas, porque assim programou a sociedade. Hoje em dia, porém, temos maior liberdade para escolhermos quem levamos conosco a um cinema sem nos preocupar muito em contratos com o ideal "Até que a morte nos separe". Mas mesmo em épocas assim mais amenas, conheço mulheres que parecem ter saído de dentro de Os Maias, porque se encontram em situações de dependência, como uma personagem de papel dessas que conhecemos em livros do século retrasado.
Vim aqui escrever para me encontrar com as lembranças da linguagem de Eça, porque acredito, mais que nunca, na escrita como lugar que reune os tempos, que reconstrói os cmainhos de volta às lembranças, acendendo-as para nós. Mesmo que seja a lembrança de um leitura que, em rigor, deveria ter menos força do que as experiências diárias.
Mi.
***
P.S. Não gosto do Belo, mas acho essa musiquinha bonita. E tem um pouco a ver com meu momento hoje.
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Reiventar
Diz que já é tarde
Que não tem mais jeito
Mas eu não aceito a decisão
Do teu coração em partir
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Sem tua metade
Sou tão imperfeito
Tudo tem um jeito, coração
Sei que a gente pode sorrir
Juro que vou me conter
Juro nunca mais errar
..
Como eu quero te mostrar
O milagre do amor
Você me fez mudar
Tão bom te amar
Te amar
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Recomeçar
Sem me esconder
Atrás de um ditador
Existe um grande amor
Eu sempre fui apaixonado por você
Reinventar
Resplandecer o que não apagou
em mim nada mudou
eu sei que o sonho ainda pode acontecer...
(Belo)

sábado, outubro 03, 2009


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Amor é síntese
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Por favor não me analise
Não fique procurando cada ponto fraco meu
Se ninguém resiste a uma análise profunda
Quanto mais eu
Ciumento, exigente, inseguro, carente
Todo cheio de marcas que a vida deixou
Vejo em cada grito de exigência
Um pedido de carência, um pedido de amor
Amor é síntese
É uma integração de dados
Não há que tirar nem pôr
Não me corte em fatias
Ninguém consegue abraçar um pedaço
Me envolva todo em seus braços
E eu serei perfeito amor.
Mário Quintana.
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Poema de José Saramago
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Na ilha por vezes habitada do que somos,
há noites, manhãs e madrugadas em que não precisamos de morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade,
e dizem-se as palavras que a significam
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno,
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres,
com a paz e o sorriso de quem se reconhece e
viajou à roda do mundo infatigável,
porque mordeu a alma até a os ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem
milagres como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.
Mi.

quinta-feira, outubro 01, 2009


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À Eternidade
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Senhora eternidade, como anda a terra do sem-fim?
Bem, resolvi escrever, porque tenho algumas coisas para lhe dizer. É que não compreendo bem por que a senhora vem me perseguindo até em lugares onde não peço sua presença...
É certo que sempre chamei por seu nome nos momentos em que me sinto explodindo de felicidade. Mas, de certo modo, sua presença tem se prolongado demais em determinadas lembranças, de modo que vim aqui pedir para que repense sobre o meu caso com carinho. Talvez já tenha aí na Terra do Nunca vários pedidos e processos de cancelamento de lembranças eternas. Durante nossa viagem na Terra, acumulamos lindas lembranças, Senhora eternidade, só que nem todas devem entrar em sua casa e comungar da vida eterna dada pelos deuses (A senhora, claro, está inclusa nesse panteão).
Com todo o respeito, há pedacinhos de lembranças que foram à sua casa e voltaram a viver em meu coração, elas me consomem... vão comigo por toda a parte. Acho que vão durar pra sempre, porque se alimentaram dos seus manjares trazidos pela felicidade que senti. Desta forma, será que existe alguma chance de a eternidade não caber dentro de lembranças tão pequeninas?
Esta é minha humilde pergunta, anexada a um singelo (e desesperado) pedido de alforria.
Mi.


Foto: Morro de São Paulo


Teu Riso
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Tira-me o pão,
se quiseres,
tira-me o ar,
mas não me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito brota da tua alegria,
a repentina onda de prata que em ti nasce.
A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados às vezes por ver que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas as portas da vida.
Meu amor, nos momentos mais escuros
soltao teu riso
E se de súbito vires que o meu sangue mancha as pedras da rua,
ri, porque o teu riso será para as minhas
mãos como uma espada fresca.
À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer sua cascata de espuma,
e na primavera, amor, quero teu riso como a flor
que esperava, a flor azul, a rosada minha pátria sonora.
Ri-te da noite, do dia, da lua, ri-te das ruas tortas da ilha
ri-te deste grosseiro rapaz que te ama,
mas quando abroos olhos e os fecho,
quando meus passos vão, quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar, a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso, porque então morreria.
Neruda (Queridinho das mulheres).