quinta-feira, outubro 01, 2009


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À Eternidade
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Senhora eternidade, como anda a terra do sem-fim?
Bem, resolvi escrever, porque tenho algumas coisas para lhe dizer. É que não compreendo bem por que a senhora vem me perseguindo até em lugares onde não peço sua presença...
É certo que sempre chamei por seu nome nos momentos em que me sinto explodindo de felicidade. Mas, de certo modo, sua presença tem se prolongado demais em determinadas lembranças, de modo que vim aqui pedir para que repense sobre o meu caso com carinho. Talvez já tenha aí na Terra do Nunca vários pedidos e processos de cancelamento de lembranças eternas. Durante nossa viagem na Terra, acumulamos lindas lembranças, Senhora eternidade, só que nem todas devem entrar em sua casa e comungar da vida eterna dada pelos deuses (A senhora, claro, está inclusa nesse panteão).
Com todo o respeito, há pedacinhos de lembranças que foram à sua casa e voltaram a viver em meu coração, elas me consomem... vão comigo por toda a parte. Acho que vão durar pra sempre, porque se alimentaram dos seus manjares trazidos pela felicidade que senti. Desta forma, será que existe alguma chance de a eternidade não caber dentro de lembranças tão pequeninas?
Esta é minha humilde pergunta, anexada a um singelo (e desesperado) pedido de alforria.
Mi.


Foto: Morro de São Paulo


Teu Riso
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Tira-me o pão,
se quiseres,
tira-me o ar,
mas não me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito brota da tua alegria,
a repentina onda de prata que em ti nasce.
A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados às vezes por ver que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas as portas da vida.
Meu amor, nos momentos mais escuros
soltao teu riso
E se de súbito vires que o meu sangue mancha as pedras da rua,
ri, porque o teu riso será para as minhas
mãos como uma espada fresca.
À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer sua cascata de espuma,
e na primavera, amor, quero teu riso como a flor
que esperava, a flor azul, a rosada minha pátria sonora.
Ri-te da noite, do dia, da lua, ri-te das ruas tortas da ilha
ri-te deste grosseiro rapaz que te ama,
mas quando abroos olhos e os fecho,
quando meus passos vão, quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar, a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso, porque então morreria.
Neruda (Queridinho das mulheres).

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